Simonetta Persichetti
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SÃO PAULO - Que além da literatura Monteiro Lobato era um apaixonado por pintura, todo mundo sabe. O lado fotógrafo do escritor, no entanto, permanece ainda hoje conhecimento de poucos. Mas é justamente nas lembranças da sua família, de sua neta Joyce, que esta paixão vem à tona. Munido com uma câmara Rolleyflex ele guarda instantes íntimos, encontros e ainda fala de fotografia nas suas longas e conhecidas missivas aos amigos.
Muitas vezes chegou a comparar a fotografia com a literatura. Imagens precisas, instantes preciosos do cotidiano. A vista da cidade de seu apartamento, um detalhe de sua fazenda Burquira, um auto-retrato, a beleza de sua esposa D. Purezinha, as estripulias de sua neta Joyce. Tudo ficou registrado em suas imagens, da mesma forma que suas histórias ficaram registradas em seus livros.
Joyce, sua neta, nos conta a vida do Lobato fotógrafo, as histórias que ficaram gravadas em sua memória. Para ele, a fotografia ficava reservada aos momentos de prazer, de alegria. Muitas vezes, Joyce se tornava sua “vitima”, visto que o avô lhe pedia para posar, colocar chapéus, encostar em árvores - coisas que aquela menina não gostava, mas a que se submetia com prazer, visto a cumplicidade que a unia ao avô. Mas, se muitas fotos eram ensaiadas, outras são flagrantes puros, como se Lobato quisesse usar as imagens como ensaios de suas histórias. Ele montava a imagem, pedia para as pessoas se fantasiarem, brincarem de teatro, criar personagens. Mas é sem dúvida nos flagrantes que as fotos aparecem melhor.
Em muitas das fotografias, a sombra de Monteiro Lobato aparece, como se ele quisesse assinar a autoria daquela imagem de forma decisiva. Ele se coloca na fotografia. Um olhar apurado que registra paisagens, suas viagens pelo nordeste, como se naquelas fotografias ele quisesse encerrar a memória do momento. Não são meros registros de turistas, são fotografias de alguém que procura o melhor ângulo, que tem paciência para compor a cena, que sabe exatamente o que quer dizer e procura de forma sintética comunicar o que viu, ou melhor, o que está vivendo. Mas o que também surpreende é que Monteiro Lobato falava de fotografia com grande conhecimento: em suas cartas, orientava os amigos sobre como fotografar, falava do processo de se revelar uma imagem e não escondia sua admiração pelas chapas, reveladores e fixadores que davam vida às suas fotografias.
É uma pena que ele tenha, porém, sempre considerado a fotografia, assim como suas pinturas, um hobby, uma forma de lazer. Com certeza teria sido tão bom fotógrafo quanto escritor. As suas fotografias e seu auto-retrato com a câmara que pousa sobre os livros não deixam dúvidas quanto a isso.
Extraído de
O Estado de São Paulo
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