“A maioria dos secretários se mostrou muito preocupada com o momento político desse projeto”, afirma presidente do Consed
No mês de julho, o Conselho Nacional de Educação aprovou a proposta do Ensino Médio Inovador, feita pelo Ministério da Educação. Para comentar as mudanças, o Todos Pela Educação entrevista, nesta semana, Maria Auxiliadora Seabra Rezende (Profª. Dorinha), presidente do Consed – Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação – e secretária estadual de Educação de Tocantins. Segundo ela, “a maioria dos secretários se mostrou muito preocupada com o momento político desse projeto, com o tempo necessário para uma proposta dessa natureza se consolidar”.
De acordo com Dorinha, o Consed reconhece pontos positivos na proposta do MEC, entretanto, sabe das dificuldades que as redes estaduais, responsáveis pela oferta do Ensino Médio no País, terão para implementar as mudanças. Entre as modificações previstas no Ensino Médio Inovador estão a ampliação da carga horária mínima dessa etapa de ensino, que passa de 2,4 mil para 3 mil horas/ano, e a criação de um currículo flexível, no qual o aluno poderá escolher até 20% da grade curricular, distribuída em quatro eixos: trabalho, ciência, tecnologia e cultura.
Leia a íntegra da entrevista:
Todos Pela Educação: Qual a avaliação do Consed sobre as mudanças no Ensino Médio propostas pelo MEC?
Dorinha: Nós não recebemos e não participamos da discutição inicialmente. Somente depois que chegou ao CNE (Conselho Nacional de Educação) é que tomamos conhecimento. Após isso, fizemos uma discussão interna dentro do Consed. A maioria dos secretários se mostrou muito preocupada com o momento político desse projeto, com o tempo necessário para uma proposta dessa natureza se consolidar, principalmente se pensarmos que estamos no segundo semestre de 2009. Suponhamos que o processo de adesão e organização seja preparado esse ano, concretamente, vai começar a funcionar na prática no ano que vem. Outra preocupação é com a formação docente porque o professor que temos hoje teve outra formação, com outra lógica curricular, formado por disciplina, de uma maneira muito fragmentada.
TPE: Na avaliação do Consed, quais as maiores dificuldades para a implementação do Ensino Médio Inovador?
Dorinha: Do ponto de vista operacional, nós secretários vemos com muitas restrições. O Consed ponderou tudo isso: o momento político; a formação de professores; o nome “Ensino Médio Inovador”, que é ousado demais e dá uma idéia de que tudo o que está acontecendo é velho, não presta, não funciona e que nós vamos, agora, salvar o Ensino Médio com uma proposta especial, miraculosa. Temos receio sobre isto. Muitas dessas mudanças já estavam nas diretrizes. Vale lembrar que é a última etapa da Educação Básica, que tem problemas graves na Educação Infantil e Ensino Fundamental. Não há nada de milagroso. O que temos colocado é que o Ensino Médio precisa realmente de um olhar especial, agora isso precisa ser pactuado. Não é possível ignorar que a responsabilidade do Ensino Médio é dos estados.
TPE: Como o Consed avalia o projeto piloto de 100 escolas?
Dorinha: Temos uma preocupação muito grande com relação ao número de escolas. O que no fundo o MEC pretende com uma experiência de piloto desse tamanho? O que um piloto de 100 escolas significa como política indutora? Uma ação dessa natureza deveria ser discutida com os estados. Tem pontos positivos? É lógico que nós achamos interessante o aumento das horas, mas isso tem uma implicação séria também. Hoje temos o Ensino Médio com 2.4 mil horas (por ano), a proposta é passarmos para 3 mil. Como é que isso vai acontecer? Vai aumentar o total de dias letivos, a duração das aulas? Como é que a escola se organiza? Com esse pequeno número de escolas, você vai ter no mesmo município uma rede inteira trabalhando com 2,4 mil horas e uma única escola com 3 mil horas, como é que se organiza isso em termos de sistema?
TPE: O MEC afirmou que as redes estaduais poderão indicar outras escolas, além das 100 selecionadas, para participar do projeto piloto.
Dorinha: Nós não fomos comunicados. O projeto prevê 100 escolas. A secretária Pilar esteve no Consed para explicar a proposta. Inicialmente as escolas com baixo Ideb deveriam ter acesso ao projeto. Nós achamos que essa não é uma boa medida, pois, se estou acompanhando as medidas para que possam ser replicadas para o sistema e já levo escolas que têm problemas de gestão ou de outras naturezas, posso comprometer o piloto. Por isso, sugerimos que houvesse critérios mais abertos e que os estados fossem ouvidos, inclusive para apresentar experiências que já estão sendo desenvolvidas nessa grande linha, Há estados com experimentos no Ensino Médio.
Para que a escola participe do projeto, é necessário que o estado faça a adesão. Até porque isso vai influenciar em custo de pessoal. Em alguns casos a mudança significa reduzir o atendimento, a demanda, porque teremos mais tempo de permanência nas escolas. Não é possível gerar uma despesa para outro pagar. Imagine se todas as escolas decidem atender as 3 mil horas. Para isso é necessário construir salas, contratar professores. Isso influencia na merenda, no transporte escolar, o aumento do tempo de permanência tem uma série de implicações.
TPE: É possível trabalhar o conteúdo nos quatro eixos propostos?
Dorinha: No conjunto, os sistemas não têm estrutura para esse atendimento. Acho interessante a possibilidade de ação por áreas, esse é o caminho. Nesse ponto o Consed não discorda, pois vem na mesma tônica do Enem, do processo de organização curricular por áreas do conhecimento. O problema é que não temos professores com esse perfil de formação. Deveria ter havido uma articulação maior, porque vai ser necessário um investimento maior na formação do professor. O professor precisa sentir segurança com as grandes áreas. A maioria teve uma formação separada por disciplinas. Então teremos dificuldade inicial.
TPE: As redes estão preparadas para oferecer 20% de disciplinas optativas?
Dorinha:A ideia dos 20%, mesmo se contarmos com as parcerias com ONGs e outras instituições, é algo preocupante. Principalmente na medida em que é um percentual que se abre para esse tipo de relação e em muitos lugares pode não haver espaço porque não existem essas instituições. Mas a ideia é interessante, pois a escola pode construir parcerias, buscar disciplinas que tenham a ver com a sua realidade. O princípio é interessante. O nosso receio é que um conjunto de mudanças dessa natureza precisa de certo tempo para a organização do sistema. E aí tem um tempo político do governo federal e de muitos governos estaduais com um ano e meio de duração. Com o período eleitoral, por exemplo, a partir do mês de julho não é mais possível fazer convênios, além disso, tem a questão orçamentária também. Isso complica tudo.
TPE: As escolas vão conseguir oferecer disciplinas suficientes para que os alunos possam escolher?
Dorinha:Por exemplo, quantas vão conseguir ter um grupo de alunos frequentando a escola com uma carga horária de 3 mil horas? E se no ano seguinte a experiência acaba, o que fazer com o aluno que estava naquela estrutura curricular? Não podemos esquecer o alto percentual de distorção idade-série que nós temos no Ensino Médio, a maioria dos alunos estão defasados, dividem o tempo de estudo com o trabalho. É uma coisa que temos que perseguir. O aluno precisa de tempo integral, isso faz diferença na qualidade, mas o problema é o tempo para a implementação, que me parece um pouco atropelado.
TPE: O Ensino Médio é oferecido, sobretudo, no período noturno?
Dorinha:Isso depende. Mas na média brasileira quase 50% é noturno. Tem estados que passam de 60%, 70% no período noturno. Para se ter uma ideia, o tempo mínimo de duração é de quatro horas/dia e não é possível fechar as 2,4 mil horas em cinco dias (segunda a sexta), não se consegue dentro da organização da semana. Tem um complicador em termos de estrutura.
TPE: Como a proposta pode impactar o orçamento das redes?
Dorinha:Esse foi outro ponto que o Consed formalizou no documento enviado ao ministro. Uma das questões que nós alertamos foi isso. Como é que os estados entram no escuro sem saber quanto têm disponível? Qual é o recurso? O MEC pagará pessoal, estrutura física, equipamento ou projeto de aprendizado? Em 2011 nós teremos quais garantias de continuidade? Principalmente depois de pegar uma escola com mais de mil alunos e reorganizar sob outra lógica?
TPE: O fim da DRU – Desvinculação dos Recursos da União - pode ajudar a financiar essa proposta?
Dorinha:O fim da DRU com certeza vai ajudar a Educação. A nossa preocupação é que talvez as pessoas não estejam atentas à Reforma Universitária, que está tentando passar 75% do orçamento do MEC para o Ensino Superior. Isto significa que se a DRU realmente cair, a maior parte vai para a universidade e novamente a Educação Básica vai ficar a ver navios.
TODOS PELA EDUCAÇÃO
No mês de julho, o Conselho Nacional de Educação aprovou a proposta do Ensino Médio Inovador, feita pelo Ministério da Educação. Para comentar as mudanças, o Todos Pela Educação entrevista, nesta semana, Maria Auxiliadora Seabra Rezende (Profª. Dorinha), presidente do Consed – Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação – e secretária estadual de Educação de Tocantins. Segundo ela, “a maioria dos secretários se mostrou muito preocupada com o momento político desse projeto, com o tempo necessário para uma proposta dessa natureza se consolidar”.
De acordo com Dorinha, o Consed reconhece pontos positivos na proposta do MEC, entretanto, sabe das dificuldades que as redes estaduais, responsáveis pela oferta do Ensino Médio no País, terão para implementar as mudanças. Entre as modificações previstas no Ensino Médio Inovador estão a ampliação da carga horária mínima dessa etapa de ensino, que passa de 2,4 mil para 3 mil horas/ano, e a criação de um currículo flexível, no qual o aluno poderá escolher até 20% da grade curricular, distribuída em quatro eixos: trabalho, ciência, tecnologia e cultura.
Leia a íntegra da entrevista:
Todos Pela Educação: Qual a avaliação do Consed sobre as mudanças no Ensino Médio propostas pelo MEC?
Dorinha: Nós não recebemos e não participamos da discutição inicialmente. Somente depois que chegou ao CNE (Conselho Nacional de Educação) é que tomamos conhecimento. Após isso, fizemos uma discussão interna dentro do Consed. A maioria dos secretários se mostrou muito preocupada com o momento político desse projeto, com o tempo necessário para uma proposta dessa natureza se consolidar, principalmente se pensarmos que estamos no segundo semestre de 2009. Suponhamos que o processo de adesão e organização seja preparado esse ano, concretamente, vai começar a funcionar na prática no ano que vem. Outra preocupação é com a formação docente porque o professor que temos hoje teve outra formação, com outra lógica curricular, formado por disciplina, de uma maneira muito fragmentada.
TPE: Na avaliação do Consed, quais as maiores dificuldades para a implementação do Ensino Médio Inovador?
Dorinha: Do ponto de vista operacional, nós secretários vemos com muitas restrições. O Consed ponderou tudo isso: o momento político; a formação de professores; o nome “Ensino Médio Inovador”, que é ousado demais e dá uma idéia de que tudo o que está acontecendo é velho, não presta, não funciona e que nós vamos, agora, salvar o Ensino Médio com uma proposta especial, miraculosa. Temos receio sobre isto. Muitas dessas mudanças já estavam nas diretrizes. Vale lembrar que é a última etapa da Educação Básica, que tem problemas graves na Educação Infantil e Ensino Fundamental. Não há nada de milagroso. O que temos colocado é que o Ensino Médio precisa realmente de um olhar especial, agora isso precisa ser pactuado. Não é possível ignorar que a responsabilidade do Ensino Médio é dos estados.
TPE: Como o Consed avalia o projeto piloto de 100 escolas?
Dorinha: Temos uma preocupação muito grande com relação ao número de escolas. O que no fundo o MEC pretende com uma experiência de piloto desse tamanho? O que um piloto de 100 escolas significa como política indutora? Uma ação dessa natureza deveria ser discutida com os estados. Tem pontos positivos? É lógico que nós achamos interessante o aumento das horas, mas isso tem uma implicação séria também. Hoje temos o Ensino Médio com 2.4 mil horas (por ano), a proposta é passarmos para 3 mil. Como é que isso vai acontecer? Vai aumentar o total de dias letivos, a duração das aulas? Como é que a escola se organiza? Com esse pequeno número de escolas, você vai ter no mesmo município uma rede inteira trabalhando com 2,4 mil horas e uma única escola com 3 mil horas, como é que se organiza isso em termos de sistema?
TPE: O MEC afirmou que as redes estaduais poderão indicar outras escolas, além das 100 selecionadas, para participar do projeto piloto.
Dorinha: Nós não fomos comunicados. O projeto prevê 100 escolas. A secretária Pilar esteve no Consed para explicar a proposta. Inicialmente as escolas com baixo Ideb deveriam ter acesso ao projeto. Nós achamos que essa não é uma boa medida, pois, se estou acompanhando as medidas para que possam ser replicadas para o sistema e já levo escolas que têm problemas de gestão ou de outras naturezas, posso comprometer o piloto. Por isso, sugerimos que houvesse critérios mais abertos e que os estados fossem ouvidos, inclusive para apresentar experiências que já estão sendo desenvolvidas nessa grande linha, Há estados com experimentos no Ensino Médio.
Para que a escola participe do projeto, é necessário que o estado faça a adesão. Até porque isso vai influenciar em custo de pessoal. Em alguns casos a mudança significa reduzir o atendimento, a demanda, porque teremos mais tempo de permanência nas escolas. Não é possível gerar uma despesa para outro pagar. Imagine se todas as escolas decidem atender as 3 mil horas. Para isso é necessário construir salas, contratar professores. Isso influencia na merenda, no transporte escolar, o aumento do tempo de permanência tem uma série de implicações.
TPE: É possível trabalhar o conteúdo nos quatro eixos propostos?
Dorinha: No conjunto, os sistemas não têm estrutura para esse atendimento. Acho interessante a possibilidade de ação por áreas, esse é o caminho. Nesse ponto o Consed não discorda, pois vem na mesma tônica do Enem, do processo de organização curricular por áreas do conhecimento. O problema é que não temos professores com esse perfil de formação. Deveria ter havido uma articulação maior, porque vai ser necessário um investimento maior na formação do professor. O professor precisa sentir segurança com as grandes áreas. A maioria teve uma formação separada por disciplinas. Então teremos dificuldade inicial.
TPE: As redes estão preparadas para oferecer 20% de disciplinas optativas?
Dorinha:A ideia dos 20%, mesmo se contarmos com as parcerias com ONGs e outras instituições, é algo preocupante. Principalmente na medida em que é um percentual que se abre para esse tipo de relação e em muitos lugares pode não haver espaço porque não existem essas instituições. Mas a ideia é interessante, pois a escola pode construir parcerias, buscar disciplinas que tenham a ver com a sua realidade. O princípio é interessante. O nosso receio é que um conjunto de mudanças dessa natureza precisa de certo tempo para a organização do sistema. E aí tem um tempo político do governo federal e de muitos governos estaduais com um ano e meio de duração. Com o período eleitoral, por exemplo, a partir do mês de julho não é mais possível fazer convênios, além disso, tem a questão orçamentária também. Isso complica tudo.
TPE: As escolas vão conseguir oferecer disciplinas suficientes para que os alunos possam escolher?
Dorinha:Por exemplo, quantas vão conseguir ter um grupo de alunos frequentando a escola com uma carga horária de 3 mil horas? E se no ano seguinte a experiência acaba, o que fazer com o aluno que estava naquela estrutura curricular? Não podemos esquecer o alto percentual de distorção idade-série que nós temos no Ensino Médio, a maioria dos alunos estão defasados, dividem o tempo de estudo com o trabalho. É uma coisa que temos que perseguir. O aluno precisa de tempo integral, isso faz diferença na qualidade, mas o problema é o tempo para a implementação, que me parece um pouco atropelado.
TPE: O Ensino Médio é oferecido, sobretudo, no período noturno?
Dorinha:Isso depende. Mas na média brasileira quase 50% é noturno. Tem estados que passam de 60%, 70% no período noturno. Para se ter uma ideia, o tempo mínimo de duração é de quatro horas/dia e não é possível fechar as 2,4 mil horas em cinco dias (segunda a sexta), não se consegue dentro da organização da semana. Tem um complicador em termos de estrutura.
TPE: Como a proposta pode impactar o orçamento das redes?
Dorinha:Esse foi outro ponto que o Consed formalizou no documento enviado ao ministro. Uma das questões que nós alertamos foi isso. Como é que os estados entram no escuro sem saber quanto têm disponível? Qual é o recurso? O MEC pagará pessoal, estrutura física, equipamento ou projeto de aprendizado? Em 2011 nós teremos quais garantias de continuidade? Principalmente depois de pegar uma escola com mais de mil alunos e reorganizar sob outra lógica?
TPE: O fim da DRU – Desvinculação dos Recursos da União - pode ajudar a financiar essa proposta?
Dorinha:O fim da DRU com certeza vai ajudar a Educação. A nossa preocupação é que talvez as pessoas não estejam atentas à Reforma Universitária, que está tentando passar 75% do orçamento do MEC para o Ensino Superior. Isto significa que se a DRU realmente cair, a maior parte vai para a universidade e novamente a Educação Básica vai ficar a ver navios.
TODOS PELA EDUCAÇÃO
Comentários