Lúcio Bianchetti, fã de Jackson Pollock, foi retirado da escola por causa do preconceito e agora inaugura mostra
João Domingos, BRASÍLIA
Lúcio Piantino Bianchetti está com 13 anos. Tem síndrome de Down. No dia 30, vai mostrar cerca de 40 telas de sua autoria na exposição Matando Aula, na Galeria de Artes da Companhia de Desenvolvimento do São Francisco (Codevasf), no início da Asa Norte, área central de Brasília. Ao contrário do que o título da mostra sugere, seus quadros não retratam o cotidiano dos gazeteiros. Têm traços abstratos e expressionistas da imaginação de uma criança excepcional que, por força do preconceito, acabou fora da sala de aula.
O garoto cursava a 5ª série, na Escola Classe 409 Norte, da rede pública. Mas uma seqüência de fatos e mal-entendidos verificados ali levaram sua mãe, a artista plástica e desenhista de jóias Lurdinha Danezy, a retirá-lo da escola. Para preencher as horas ociosas do filho hiperativo, Lurdinha presenteou-o com tintas, telas e pincéis. Deu a ele instrumentos de sua ascendência. O pai de Lúcio é o artista plástico Lourenço de Bem. O avô é o também artista Glênio Bianchetti.
Assim, mesclando a atividade de pintor com aulas de violão, hip hop, capoeira, malabarismo e língua brasileira de sinais (libras), em pouco mais de três meses Lúcio concluiu quatro dezenas de telas de todos os tamanhos, todas de uma simetria lógica e coerência nas cores. Gosta de Jackson Pollock, expressionista e abstrato americano que marcou profundamente a arte moderna. Nas telas de Lúcio predomina mais a mistura de vermelho e preto, embora seja torcedor do alvinegro Botafogo, cuja estrela solitária também ganhou uma tela.
PRECONCEITO
Lurdinha acusa o sistema educacional de não ter preparo suficiente para cuidar de alunos excepcionais. Daí, a decisão de retirar o filho da aula. "Ele sofreu muito preconceito por parte dos professores. Uma tinha medo dele, embora tenha sempre se destacado pela afetividade e educação. Foi acusado até de furtar (teria pego um salgado na cantina) e de agredir", disse ela.
Em abril, a mãe tirou-o da escola pelo período de um mês, enquanto negociava mudanças diretamente com a Secretaria da Educação. Feitos os entendimentos, Lúcio voltou. Um mês depois, foi deixado fora da sala de aula durante todo o período. Teve uma crise de stress e acabou por quebrar um vidro. Lurdinha tirou-o definitivamente da escola. Até assinou um documento dizendo que se responsabilizava inteiramente pelo ato.
Quando Lúcio fez 5 anos, a mãe escreveu com Elizabeth Tunes, pesquisadora em deficiência e professora da Universidade de Brasília (UnB), o livro Cadê a Síndrome de Down que Estava Aqui? O Gato Comeu..., lançado pela Editora Autores Associados, de Campinas. O livro está na terceira edição. Será também lançado em Portugal. Fala da experiência de ter um filho que, ao nascer, ganhou o diagnóstico da deficiência mental e todas as questões relacionadas a ela, a exemplo do atraso no desenvolvimento e dificuldades no aprendizado.
"Quis provar que a pessoa pode nascer com o diagnóstico da doença mental, mas, com as intervenções necessárias e corretas, pode chegar a um desenvolvimento próximo da normalidade", disse ela. "Amamentei-o, fiz nele estimulações precoces, massagens, e lhe dei refeição vegetariana até os 5 anos", afirmou. "Defendo que se o excepcional estiver no ambiente correto, vai se desenvolver."
Por conta dos desentendimentos com a escola, Lurdinha registrou boletim de ocorrência na Delegacia do Menor e do Adolescente, entrou com uma representação no Ministério Público, levou o problema à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e abriu um processo administrativo contra a escola na Secretaria da Educação. De tão revoltada com o processo educacional, Lurdinha hoje costuma citar Bernard Shaw quando se refere à escola: "Desde pequeno tive de interromper minha educação para ir à escola."
ELE VOLTARÁ?
O secretário da Educação de Brasília, João Luiz Valente, tem conhecimento do que ocorreu com Lúcio. "A dona Lurdinha tem meu telefone celular, meu e-mail e as portas da secretaria abertas", disse ele. "Conheço o Lúcio muito bem. Já estive várias vezes com ele. É uma graça de menino. Infelizmente, ocorreram problemas. Nós estamos procurando a melhor escola para ele, porque em Brasília todas as escolas são inclusivas."
Valente garantiu que Lúcio voltará à sala de aula, em outro contexto. "O garoto não pode ficar fora da escola de jeito nenhum. Ele tem de voltar. E a mãe tem de continuar a ajudar no processo educacional dele."
O secretário disse que no ano que vem Lúcio tem vaga garantida na Escola Polivalente, considerada por ele como modelo no trato com os excepcionais. "Agora que a mãe achou uma vocação para ele, é obrigação nosso ajudá-la nessa luta", disse Valente.
Estadão
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