SÃO PAULO - Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) de Ribeirão Preto revelou que o ingresso de estudantes pobres em cursos concorridos da universidade depende de um conjunto de fatores, mas evidencia a importância do papel do professor nesse processo. O ingresso e a trajetória de sucesso destes estudantes em uma universidade pública, e principalmente em cursos altamente concorridos, é uma construção coletiva baseada em uma rede de apoio, e não somente fruto de empenho pessoal ou da origem sócio-econômica.
Nessa rede de apoio está inserida a família, com destaque para as mães, o grupo de amigos, o trabalho, os professores e, ainda, a assistência estudantil recebida durante o período na universidade. Isso não significa que ele seja fruto do meio em que vive, mas de uma imbricada e complexa conjunção de fatores, tanto individuais, internos, quanto sociais, externos.
Essa conclusão é da pesquisa de doutorado da psicóloga e educadora Débora Cristina Piotto. O estudo "As exceções e suas regras: estudantes das camadas populares em uma universidade pública", foi defendido no final de 2007 no Instituto de Psicologia (IP) da USP da capital, com orientação da professora Clotilde Rossetti-Ferreira, da FFCL-RP.
Débora analisou, por meio de entrevistas, a trajetória escolar e a experiência de cinco estudantes de cursos superiores de alta competitividade, matriculados num dos campus da USP e provenientes das camadas populares. O estudo revelou a vida escolar desses estudantes e as possibilidades que o ingresso e a permanência na universidade pública abrem para o aluno pobre, além de ser um instrumento para a luta pela ampliação, com qualidade, do número de vagas nessas instituições.
O objetivo inicial, segundo a pesquisadora, era saber o papel da escola na construção dessa trajetória, mas ao começar as entrevistas se deparou com abordagens de diversos fatores, que na perspectiva desses estudantes, levara a uma trajetória que redundou na entrada na universidade pública e ainda em curso altamente competitivo. A partir dos resultados das primeiras entrevistas, a pesquisadora resolveu analisar também os sentimentos presentes nesse processo.
- Procurei evidenciar a importância da consideração da dimensão psicológica quando se trata de estudar o acesso e a permanência do estudante pobre no ensino superior, já que essa dimensão em geral não é abordada nos estudos sobre o tema - explicou Débora.
Para a pesquisadora, embora, os aspectos individuais estejam presentes no ingresso de alunos provenientes das camadas populares em cursos concorridos de uma universidade pública, e devam ser considerados, a trajetória desses estudantes está calcada em uma rede social de apoio.
Na análise dos resultados de sua pesquisa, ficou evidente que a trajetória dos entrevistados foi fruto de uma construção coletiva, baseada numa rede de apoio que, variando em tamanho e relevância, esteve presente na história dos cinco estudantes.
Nesta rede de apoio apareceram a família, que mobilizou outros parentes buscando garantir a continuidade dos estudos do filho; as mães que desempenharam um importante papel de acompanhamento e incentivo, sobretudo, no início da vida escolar; o grupo de jovens e os amigos que permitiram ampliar horizontes e vislumbrar diferentes perspectivas de vida; a experiência com o trabalho e com ensinamentos voltados para esse mundo que permitiu vislumbrar a possibilidade do esforço e dedicação como formas de se conseguir algo; o suporte material e emocional da companheira que compartilhou o "sonho" e participou ativamente da busca de sua realização; o reconhecimento de um bom desempenho escolar, o estímulo e ajuda por parte de professores na construção de uma trajetória prolongada.
Ainda sobre essa construção coletiva um ponto chamou a atenção da educadora. Na conjunção de fatores aparecem alguns que são peculiares ao meio em que ele vive, mas todos comentaram a relação especial com os professores. As considerações dos estudantes sobre o papel dos professores, trouxeram importantes questões que, na opinião da pesquisadora, precisam ser aprofundadas.
- Os estudantes fazem menção aos docentes demonstrando respeito, admiração em relação ao trabalho deles, bem como expressam o desejo de serem professores. Considero necessário investigar a participação da escola na construção de trajetórias escolares prolongadas, bem como de refletir se e como a escola contribui para o ingresso e a permanência de estudantes das camadas populares no ensino superior público - sugeriu a pesquisadora.
Embora tenham afirmado a precariedade da educação que receberam na escola pública, o que, em alguns casos dificultou sobremaneira o ingresso no ensino superior público, os estudantes reconheceram algumas contribuições da escola de onde vieram.
- De maneira geral, eles reconhecem a sua experiência na escola pública como um espaço de sociabilidade, de maior solidariedade e tolerância. Eles identificam na escola a possibilidade de desenvolvimento de outras capacidades como, por exemplo, a de assumir a responsabilidade pela sua formação e de melhor desfrutar do que a universidade pública tem a oferecer.
Globo OnLine
28 de maio de 2.008
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