Juan Eduardo García-Huidobro: filósofo e educador chileno; Aluno chileno com renda alta paga mensalidade no ensino superior público; para especialista, medida já é consenso no país
Sempre que se discute a educação na América Latina, a experiência chilena entra no debate e as reformas na rede, vistas como privatizantes ou ousadas, despertam dúvidas sobre sua eficácia. No ano passado, um primeiro sinal foi dado pela avaliação internacional Pisa, que mostrou que os alunos chilenos deram um salto em desempenho. "É preciso ter cuidado com essa leitura", alerta o filósofo e educador Juan Eduardo García-Huidobro, um dos responsáveis pelas mudanças implementadas nos anos 1990 e membro do governo até o ano 2000. Atualmente professor da Universidade Alberto Hurtado, ele esteve no Brasil na semana passada no seminário Mudanças Educativas na Sociedade da Informação, promovido pela Fundação Santillana e pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI).
Quais foram os pontos chaves da reforma educacional chilena?
As reformas chilenas são ainda muito discutidas no país e posso oferecer a minha leitura delas, pela minha experiência e participação. Podemos distinguir duas reformas. Uma com o governo militar, na década de 80, centrada no estímulo ao mercado privado, por meio de pagamento de um valor por aluno para escolas particulares. Outra foi uma descentralização, dividindo a responsabilidade entre o governo e os municípios. O conceito básico por trás disso era que a concorrência entre escolas e entre os sistemas público e privado melhoraria a qualidade. Vimos que isso segmentou o sistema, mas não melhorou. A outra reforma, na democracia nos anos 90, foi a da qual fiz parte. E, ingenuamente, acreditamos que adotando medidas salariais e reformas estruturais, transformando gradualmente o Estado ausente em um Estado ativo, conseguiríamos equilibrar as coisas e melhorar a educação. Agora, 16 anos depois, a minha leitura é que o poder do mercado é muito forte e que deveríamos ter feito regulações maiores por parte do governo.
O que funcionou na segunda reforma da educação?
Encontramos nos anos 90 um sistema de educação destruído, com um setor pobre muito desfavorecido, com uma diferença enorme entre escolas de pobres e ricos, porque a crença de que o mercado regularia e melhoraria o sistema foi equivocada. Então, fizemos um conjunto forte de intervenções, para melhorar principalmente as escolas mais pobres. Isso melhorou. Hoje temos um sistema desigual, onde há escolas para os mais ricos e escolas para os mais pobres, mas que funciona e está melhor. Investimos muito forte na formação e salário dos professores, que hoje, para as mulheres, são competitivos com outras profissões médias. Em troca, fizemos um sistema forte de avaliação. Investimos na tecnologia das escolas; 90% delas estão informatizadas. Fizemos uma reforma curricular. Ampliamos a jornada de todos para período integral. Estamos com todo o nível fundamental universalizado e com 90% dos alunos em idade de ensino médio na escola. Mas devíamos ter aumentado o poder do Estado. Há um consenso de que falta maior controle e ajuda do governo às piores escolas.
Outra medida polêmica foi o fim da gratuidade nas universidades. Como isso é visto hoje?
Isso aconteceu também nos anos 80, durante a ditadura. Na época eu era contra, mas hoje estou de acordo. Foi uma decisão de enxergar que não tínhamos recursos para tudo e de decidir investir, então, todos os recursos na educação básica. Foi feito um sistema pago nas universidades, mas se um estudante é pobre, ele entra da mesma maneira e ganha uma bolsa do governo. Não é um mau sistema, é uma maneira de tornar mais justo algo que aqui no Brasil é bastante complexo. Vemos que vocês têm um gasto muito alto com as universidades públicas e que, ainda, quem as freqüenta são os mais ricos. Nesse ponto de vista, o sistema chileno é mais justo. Aumentou o orçamento para o ensino básico, mas permite que os pobres tenham também acesso à universidade e que os ricos paguem por ela. Isso está bem aceito hoje e é pouco discutido. Não há um questionamento radical ao sistema, de querer voltar ao que era antes.
O último resultado da avaliação internacional Pisa mostrou que os alunos chilenos melhoraram seu desempenho, principalmente em leitura. É sinal de que alguma coisa melhorou com as reformas?
É preciso ter cuidado. É verdade que aumentamos o período de aula, o salário dos professores e o financiamento tem dado resultado. Agora, observando a diferença entre o desempenho dos alunos chilenos mais ricos e mais pobres, ela é igual à diferença vista nos outros países da América Latina. Então, vemos que o sistema melhorou, mas não conseguiu ser igual. Continua condenando os estudantes mais pobres a terem um ensino pior.
Qual a maior dificuldade em se fazer política pública educacional em países tão desiguais como os da América Latina?
O mais difícil é que trabalhamos num setor da sociedade que deveria ser igualitário em países que têm uma mentalidade extremamente elitista, na qual dizemos que aceitamos os direitos de todos, que queremos que todos tenham as mesmas oportunidades, mas no qual ninguém está disposto a abrir mão de nada.
Quem é:
Juan García-Huidobro
Doutor em Ciências da Educação e Filosofia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica)
Participou das reformas educacionais promovidas no Chile durante os anos 1990. Atuou no governo até 2000
Atualmente, é decano da Faculdade de Educação da Universidade Alberto
Hurtado (Chile)
Estadão
14 de abril de 2.008
Sempre que se discute a educação na América Latina, a experiência chilena entra no debate e as reformas na rede, vistas como privatizantes ou ousadas, despertam dúvidas sobre sua eficácia. No ano passado, um primeiro sinal foi dado pela avaliação internacional Pisa, que mostrou que os alunos chilenos deram um salto em desempenho. "É preciso ter cuidado com essa leitura", alerta o filósofo e educador Juan Eduardo García-Huidobro, um dos responsáveis pelas mudanças implementadas nos anos 1990 e membro do governo até o ano 2000. Atualmente professor da Universidade Alberto Hurtado, ele esteve no Brasil na semana passada no seminário Mudanças Educativas na Sociedade da Informação, promovido pela Fundação Santillana e pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI).
Quais foram os pontos chaves da reforma educacional chilena?
As reformas chilenas são ainda muito discutidas no país e posso oferecer a minha leitura delas, pela minha experiência e participação. Podemos distinguir duas reformas. Uma com o governo militar, na década de 80, centrada no estímulo ao mercado privado, por meio de pagamento de um valor por aluno para escolas particulares. Outra foi uma descentralização, dividindo a responsabilidade entre o governo e os municípios. O conceito básico por trás disso era que a concorrência entre escolas e entre os sistemas público e privado melhoraria a qualidade. Vimos que isso segmentou o sistema, mas não melhorou. A outra reforma, na democracia nos anos 90, foi a da qual fiz parte. E, ingenuamente, acreditamos que adotando medidas salariais e reformas estruturais, transformando gradualmente o Estado ausente em um Estado ativo, conseguiríamos equilibrar as coisas e melhorar a educação. Agora, 16 anos depois, a minha leitura é que o poder do mercado é muito forte e que deveríamos ter feito regulações maiores por parte do governo.
O que funcionou na segunda reforma da educação?
Encontramos nos anos 90 um sistema de educação destruído, com um setor pobre muito desfavorecido, com uma diferença enorme entre escolas de pobres e ricos, porque a crença de que o mercado regularia e melhoraria o sistema foi equivocada. Então, fizemos um conjunto forte de intervenções, para melhorar principalmente as escolas mais pobres. Isso melhorou. Hoje temos um sistema desigual, onde há escolas para os mais ricos e escolas para os mais pobres, mas que funciona e está melhor. Investimos muito forte na formação e salário dos professores, que hoje, para as mulheres, são competitivos com outras profissões médias. Em troca, fizemos um sistema forte de avaliação. Investimos na tecnologia das escolas; 90% delas estão informatizadas. Fizemos uma reforma curricular. Ampliamos a jornada de todos para período integral. Estamos com todo o nível fundamental universalizado e com 90% dos alunos em idade de ensino médio na escola. Mas devíamos ter aumentado o poder do Estado. Há um consenso de que falta maior controle e ajuda do governo às piores escolas.
Outra medida polêmica foi o fim da gratuidade nas universidades. Como isso é visto hoje?
Isso aconteceu também nos anos 80, durante a ditadura. Na época eu era contra, mas hoje estou de acordo. Foi uma decisão de enxergar que não tínhamos recursos para tudo e de decidir investir, então, todos os recursos na educação básica. Foi feito um sistema pago nas universidades, mas se um estudante é pobre, ele entra da mesma maneira e ganha uma bolsa do governo. Não é um mau sistema, é uma maneira de tornar mais justo algo que aqui no Brasil é bastante complexo. Vemos que vocês têm um gasto muito alto com as universidades públicas e que, ainda, quem as freqüenta são os mais ricos. Nesse ponto de vista, o sistema chileno é mais justo. Aumentou o orçamento para o ensino básico, mas permite que os pobres tenham também acesso à universidade e que os ricos paguem por ela. Isso está bem aceito hoje e é pouco discutido. Não há um questionamento radical ao sistema, de querer voltar ao que era antes.
O último resultado da avaliação internacional Pisa mostrou que os alunos chilenos melhoraram seu desempenho, principalmente em leitura. É sinal de que alguma coisa melhorou com as reformas?
É preciso ter cuidado. É verdade que aumentamos o período de aula, o salário dos professores e o financiamento tem dado resultado. Agora, observando a diferença entre o desempenho dos alunos chilenos mais ricos e mais pobres, ela é igual à diferença vista nos outros países da América Latina. Então, vemos que o sistema melhorou, mas não conseguiu ser igual. Continua condenando os estudantes mais pobres a terem um ensino pior.
Qual a maior dificuldade em se fazer política pública educacional em países tão desiguais como os da América Latina?
O mais difícil é que trabalhamos num setor da sociedade que deveria ser igualitário em países que têm uma mentalidade extremamente elitista, na qual dizemos que aceitamos os direitos de todos, que queremos que todos tenham as mesmas oportunidades, mas no qual ninguém está disposto a abrir mão de nada.
Quem é:
Juan García-Huidobro
Doutor em Ciências da Educação e Filosofia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica)
Participou das reformas educacionais promovidas no Chile durante os anos 1990. Atuou no governo até 2000
Atualmente, é decano da Faculdade de Educação da Universidade Alberto
Hurtado (Chile)
Estadão
14 de abril de 2.008
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