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Cada diabinho com seu computador

Há pesquisas nos Estados Unidos com dados alarmantes sobre a queda de rendimento na aprendizagem de crianças que passaram a dispor de laptops individualizados em sala de aula. Essas pesquisas, segundo as universidades que as realizaram, apontam para o fato de que os alunos pioraram ou ficaram na mesma situação a partir do uso do laptop, e isso quase que independentemente do nível socioeconômico das turmas ou de suas diferenças étnicas. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) afirmam ter feito investigações na mesma linha, obtendo resultados desanimadores.

Li as pesquisas mais importantes e creio que posso dizer sem medo que elas tropeçam em pontos significativos.

É importante considerarmos as variáveis que realmente interessam e olhar essas pesquisas com carinho, pois o governo brasileiro atual quer levar adiante o programa ''um computador por aluno''. Há cálculos nada tolos que mostram que o projeto brasileiro, com as metas de custos que vislumbra, não se efetivaria, talvez apenas acumule um conjunto de laptops destinados ao lixo. Computadores com internet têm manutenção dispendiosa, em vários sentidos. Bem, mas a questão aqui, no caso de nosso governo, é decidir se quer ou não sair do mundo do marketing político e fazer algo, ou se quer apenas dizer que fez algo.

Do ponto de vista técnico-pedagógico, qual a maior falha das pesquisas disponíveis? O problema todo é que tomam o laptop como meio didático neutro. O que esperam dele é que entre na sala de aula, caia nas mãos de cada diabinho diante de um professor e, então, passe a ajudar no ensino, que, enfim, deverá ser o mesmo de sempre. Mas a tecnologia da educação nunca foi neutra. A apostila não é neutra e, por isso, ela difere do livro. O laptop não é neutro e, por isso, ele difere da apostila, do livro e do quadro-negro. Não é pelas suas características físicas que ele difere, é claro; como qualquer outro novo meio da tecnologia educacional, ele reformula o conteúdo (sim!), torna prioritários outros conteúdos e, enfim, gera uma transformação num sentido muito mais amplo e profundo do que o imaginado pelos incautos. Ele próprio é um conteúdo!

Quando você aprende um conteúdo por meio de uma apostila, que é um resumo dirigido, os macetes são prioridades. Em vez da longa dedução ou de todo o raciocínio que aparece no livro, a apostila dá-lhe os resultados do raciocínio. Ela ensina a utilizá-los em casos que exigem presteza e velocidade. Isso é bom? Ora, para o aprendizado substancial, não. Isso vale para os cursos de treinamento, em que há o pressuposto de que o aprendizado já tenha ocorrido ou, ao menos, já se tenha iniciado de forma satisfatória e que o treinamento deverá apenas melhorar o desempenho do treinado diante de baterias específicas de exames. Portanto, o que é cobrado de alguém que melhora o seu desempenho por meio de apostila não é comparável, termo a termo, com o que é cobrado de alguém que aprende com o livro. Aprender é uma coisa, ser treinado é outra.

O menino que tem a internet à disposição em sala de aula já deve ter passado por um processo de disciplina que não o deixa dispersar-se para além do normal. Além disso, é necessário criar mecanismos que possam fazê-lo lidar melhor com o fato de que a internet, ela própria, é uma grande autora. Ela própria cruza informações, nos seus vários mecanismos de busca, e gera uma informação que é, mutatis mutandis, um elemento desconstruído. Os significados de um texto ou de uma imagem, que comumente se espera que sejam os possivelmente apreendidos pelo aluno, podem não ser os que ele vai expor ao professor, depois de ter passado pela internet; ele simplesmente pode reproduzir significados que, à primeira vista, nos vão parecer loucura ou simplesmente falta de aprendizado. Ele próprio vai produzir significados que já não estarão nos padrões corriqueiros.

As pesquisas não têm considerado que as crianças com internet não vão aprender o que queremos que aprendam (ou que queríamos), mas não vão deixar de aprender; elas vão aprender outras coisas, aquelas que o laptop e a internet ''querem''. Assim, para sabermos se houve progresso nessa aprendizagem, temos de ver - sem moralismo e falta de inteligência - o que é que esses meios estão colocando como objetivos. E, então, temos de mudar nossas avaliações escolares. Só depois disso poderemos decidir se o que queríamos que elas aprendessem é ou não mais válido e melhor do que o que de fato aprenderam. E, além disso, temos nós mesmos de ser bons usuários da internet para não gerarmos preconceitos na nossa visão do que são as máquinas e do que são os nossos conteúdos realmente importantes para a vida futura, não para a vida que tivemos, pois essa já acabou para os muito jovens.

A idéia já ficou velha, mas ela continua válida: o meio é a mensagem/massagem. Lauro de Oliveira Lima repetiu esse dito à exaustão. Mas os pesquisadores brasileiros, às vezes jovens, não sabem quem é Lauro de Oliveira Lima. E, no exterior, Marshall McLuhan se tornou um desconhecido de alguns importantes professores universitários. Então, as pesquisas sobre o ensino com computador e internet não conseguem ver o poder real do meio no âmbito dos processos comunicativos e pedagógicos.

Por fim, outro dado problemático é que, no Brasil, os textos dos que são a favor do programa do governo ''um computador por aluno'', em parte, também consideram o meio como algo neutro. Terminam por gerar a idéia da restrição no uso dos computadores. Aliás, é isso que as faculdades fazem: criam ''bloqueios'' ridículos de certas áreas da internet. Nesse caso, a falta de entendimento do que é a internet gera o antiensino por excelência, que é a censura.

Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo

Site www.ghiraldelli.pro.br

Estadão
01 de abril de 2.008

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