Pular para o conteúdo principal

Profissão em extinção?

Magno de Aguiar Maranhão

No Brasil, nenhum nível de ensino escapa ao problema. Mas não estamos sós: a Unesco alerta que a meta mundial de "educação para todos", fixada no início dos anos 1990, e que deveria ser atingida até 2015, está ameaçada devido ao déficit alarmante das peças-chave do processo ensino/aprendizagem. A estimativa é de que, em dez anos, o planeta amargará uma carência de 15 milhões a 30 milhões de professores. O órgão afirma que, praticamente, não há país imune às pragas que têm afugentado os mestres das salas de aula, mas destaca que as conseqüências mais funestas recairão sobre nações subdesenvolvidas e em desenvolvimento, bloco no qual nos encontramos, e ocupamos algumas das piores posições quando o assunto é educação, mesmo se comparados a países com economias mais frágeis. Isso nos obriga a sair do âmbito das análises estéreis para atacarmos os fatores que, dentro das nossas fronteiras, têm transformado o magistério numa das carreiras mais frustrantes e desprezadas pelas novas gerações.

Nas creches e pré-escolas, cuja expansão deve ser prioritária, já que elas podem amenizar os efeitos da pobreza sobre a infância brasileira, serão necessários mais 150 mil professores até 2008; no ensino médio, 235 mil e no segundo ciclo do ensino fundamental, 476 mil - nos últimos anos, porém, formamos somente 457 mil nas licenciaturas, acumulando o déficit de 250 mil. Há disciplinas em que o problema parece incontornável: deveríamos ter 55 mil professores de Física e outros tantos de Química para atender à demanda pelo ensino médio - no entanto, entre 1990 e 2001, registramos 7.216 graduados em Física e 13.559 em Química. E nem todos optam pelo magistério - outras carreiras, com exigências semelhantes quanto à qualificação, oferecem, se não salários maiores, ao menos condições de trabalho melhores.

Neste momento, as atenções se concentram nas lacunas formadas após a implantação das políticas de universalização da educação básica, que não parecem ter levado em conta o imperativo de aumentar o número de educadores, nem as graves questões com que as escolas se defrontaram ao receber crianças e jovens vindos de camadas sociais até então excluídas.

Certamente, o desinteresse pela docência está associado aos salários injustos. Estancar o debate neste ponto, contudo, seria um equívoco. Todos sabemos que um emprego, mesmo que não ofereça uma remuneração vultosa, mas garanta ao indivíduo o atendimento de suas necessidades, formação continuada e boas condições de trabalho, pode ser mais sedutor que aquele que oferece um alto salário, mas transforma num tormento o cotidiano do profissional.

No caso dos professores, a insatisfação causada pela quantia impressa no contracheque está aliada à insatisfação gerada pela indefinição do seu papel nesta fase de reformas atropeladas, em que a ordem é educar as massas e eliminar desigualdades sociais seculares, embora ninguém saiba como fazer isso numa escola desprovida dos recursos imprescindíveis à empreitada. Esta nova escola pública - a que promove a igualdade, transmite valores éticos e morais, incute a noção de direitos humanos e é capaz de eliminar uma antiga herança de ignorância e desprezo pela educação - existe, sim, em diretrizes curriculares, discursos e propostas acadêmicas. Não sabemos como nem quando será transplantada para o Brasil real.

Aos professores coube o peso da missão. Para piorar, as orientações que receberam para entrar na luta contra a evasão foram, não poucas vezes, equivocadas: basta recordar como o sistema de ciclos, imposto a um sistema de ensino capenga, escorregou para a progressão automática e resultou na aprovação em massa de analfabetos. O mais triste é que nem isso bastou para acabar com a debandada (apenas 41% dos que ingressam no ensino fundamental concluirão a educação básica). Além disso, os jovens que permanecem na escola recebem um ensino que os coloca em tal posição de desvantagem que até cotas especiais o governo quer reservar-lhes para que consigam entrar numa graduação. Será esta a escola que inclui?

Hoje, a aprovação não é mais uma conquista do professor ou do aluno. Não é nada. Junte-se a isso a frustração por não dispor dos equipamentos adequados para despertar o interesse dos estudantes do século 21, e temos o bastante para que o educador mais vocacionado desista da carreira. Ajudando a compor o cenário de descontentamento, a violência começou a impor sua ditadura nos estabelecimentos de ensino, por meio dos próprios alunos - problema que, se não atinge apenas escolas brasileiras, vem sendo tratado por aqui com uma tolerância inaceitável.

Os professores exigem bons salários, mas também segurança, autonomia para lidar com um cotidiano que conhecem melhor que ninguém, escolas bem equipadas, tempo para projetos extraclasse e facilidades na aquisição de maior bagagem cultural. Eles querem ser agentes no processo de formação plena de seus alunos, mas não os únicos. Não lhes cabe resolver mazelas sociais, enfrentar a violência de peito aberto, resolver dramas familiares ou lutar contra o trabalho infantil.

Talvez seja a hora de unir governo e sociedade a fim de reformular a instituição escolar. Se a educação visa ao desenvolvimento integral do indivíduo, como estabelece a LDB, os sistemas de ensino devem agir com coerência e fazer com que os estudantes recebam, nas escolas, assistência também integral - de psicólogos, médicos, assistentes sociais, advogados, enfim, agentes treinados para funções das quais os professores estão, compreensivelmente, fugindo. Não só porque não ganham o bastante, mas porque isso os impede de fazer o que sabem e gostam: ensinar. O que nos interessa é a resposta que o Brasil vai dar, antes que nossos alunos precisem receber aulas de aparelhos de vídeo.

Opinião
Estadão
07 de setembro de 2.007

Comentários

Postagens mais visitadas na última semana

ENCCEJA 2023

Aplicação do exame será no dia 27 de agosto. De 3 a 14 de abril, os participantes poderão justificar ausência no exame de 2022. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) publicou, nesta quarta-feira, 15 de março, no Diário Oficial da União (DOU), o Edital n.º 19, de 13 de março de 2023, que dispõe sobre as diretrizes, os procedimentos e os prazos do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) 2023. A aplicação para o ensino fundamental e médio será no dia 27 de agosto e ocorrerá em todos os estados e no Distrito Federal.

Política de Privacidade

"Política de Privacidade" "Este blog pode utilizar cookies e/ou web beacons quando um usuário tem acesso às páginas. Os cookies que podem ser utilizados associam-se (se for o caso) unicamente com o navegador de um determinado computador. Os cookies que são utilizados neste blog podem ser instalados pelo mesmo, os quais são originados dos distintos servidores operados por este, ou a partir dos servidores de terceiros que prestam serviços e instalam cookies e/ou web beacons (por exemplo, os cookies que são empregados para prover serviços de publicidade ou certos conteúdos através dos quais o usuário visualiza a publicidade ou conteúdos em tempo pré determinados). O usuário poderá pesquisar o disco rígido de seu computador conforme instruções do próprio navegador. O Google, como fornecedor de terceiros, utiliza cookies para exibir anúncios neste site. Com o cookie DART, o Google pode exibir anúncios para seus usuários com base nas visitas feit

18ª OBMEP

18ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas - OBMEP Acompanhe através da página OBMEP 06/07/2023 - Confira os gabaritos da 1ª fase 01/02/2023 - Inscrições até 17/03/2023 Promovida pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) , a maior competição científica do país reúne todos os anos mais de 18 milhões de estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. Instituições públicas municipais, estaduais, federais e privadas podem participar. As inscrições são feitas exclusivamente pelas escolas e o prazo vai até 17 de março. A novidade deste ano é o aumento no número de premiações. Além de 8,4 mil medalhas de ouro, prata ou bronze oferecidas em todo o país, serão distribuídas pelo menos outras 20,5 mil medalhas a nível regional. A olimpíada vai conceder ainda o dobro de medalhas para escolas privadas, com o objetivo de incentivar a participação de mais instituições. A nível nacional, serão distribuídas 650 medalhas de ouro, 1.950 de prata e 5.850 b

ENCCEJA Nacional 2018 - Gabaritos

Gabarito do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos - ENCCEJA 2018 Clique aqui para conferir os gabaritos       Gabarito oficial do Encceja 2018 já está disponível no Portal do Inep O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) disponibilizou o gabarito oficial do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) 2018 na tarde desta sexta-feira, 17 de agosto, como previsto em edital. O Encceja Nacional foi aplicado em 5 de agosto em todo o país. Os documentos podem ser acessados no Portal do Inep. Para o Ensino Fundamental estão disponíveis os gabaritos das provas de Ciências Naturais; História e Geografia; Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Artes, Educação Física e Redação; e Matemática. Para o Ensino Médio os gabaritos são de Ciências da Natureza e suas Tecnologias (Química, Física e Biologia); Ciências Humanas e suas Tecnologias (História, Geografia, Filosofia e S

Lista de blogs relacionados