Deonísio Silva em JB Online:
A língua doente
Deu-se algo inédito em recente congresso de saúde preventiva. No tema ''o poder da palavra na saúde ou na doença'', médicos, professores e estudantes de medicina e de enfermagem ouviram com paciência a voz deste escritor, embora a medicina seja para mim um ramo das ciências ocultas, como a feitiçaria e os despachos nas encruzilhadas.
Dr. Mario César Esteves de Oliveira, diretor geral de Saúde da Estácio, explicou o convite, destacando livros e artigos, de modo especial esta coluna do Caderno B, repercutida, entre outros, no Jornal da Estácio, cuja tiragem é de 180 mil exemplares, distribuídos gratuitamente.
No dia anterior tinham falado Gilberto Mendes de Oliveira e Castro, da Academia Nacional de Medicina e reitor da Universidade Estácio de Sá, patrocinadora do evento, e Ivo Pitanguy, cirurgião plástico de todos conhecido e chefe do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia.
Sob a égide de Hésio Cordeiro, doutor em medicina preventiva pela USP e diretor da Faculdade Medicina da Estácio, o congresso trouxe temas que fascinaram as mais de seiscentas pessoas presentes. Cada médico fez ali outro tipo de intervenção, ponencia em espanhol, dita colocação em vários eventos, como se os conferencistas pudessem imitar o galináceo, que a faz melhor do que qualquer debatedor.
Todos nos ouviam em silêncio, como se estivéssemos em hospitais, onde calar é tão importante que há nos corredores a figura de uma mulher com o dedo indicador sobre a boca. Pede silêncio ou segredo?
A figura feminina foi inspirada em Tácita, a deusa romana do silêncio. Os romanos tinham verbos diferentes para expressar o silêncio: leges silent (as leis são mudas), mas homines tacent (os homens calam). As primeiras, como as crianças, os infantes (de infans, sem fala, raiz de infantia, infância), não falam porque não podem. Já os médicos, a pedido de familiares, calam diante do convalescente, disfarçando a gravidade de certas doenças, prática reprovada no congresso.
Convalescente está ligado ao verbo convalescere, recuperar as forças, radicado em valere, ter saúde, equilíbrio. A raiz, quem diria, está na gíria atual valeu, de valor positivo.
Enfermo é infirmus em latim, sem firmeza, sinônimo de imbecillis, fraco, que mudou de sentido no português, o que ocorreu também com idiota, do grego idiótes, indivíduo, ente privado. Disse um historiador: ''quando Portugal descobriu o Brasil, havia 2 mil médicos idiotas em todo o reino''. Referia-se aos médicos práticos, que exerciam a medicina sem fazer o curso.
Outras questões foram a caligrafia dos médicos nas receitas e o português das bulas, como de uma vitamina, assim explicada: ''o ácido ascórbico inativa os radicais livres, que podem destruir as membranas celulares através da peroxidação lipídica''. Quem entende o português das bulas?
Até os palavrões ocultam neuroses. Estamos em nossa língua todos os dias.
A língua doente
Deu-se algo inédito em recente congresso de saúde preventiva. No tema ''o poder da palavra na saúde ou na doença'', médicos, professores e estudantes de medicina e de enfermagem ouviram com paciência a voz deste escritor, embora a medicina seja para mim um ramo das ciências ocultas, como a feitiçaria e os despachos nas encruzilhadas.
Dr. Mario César Esteves de Oliveira, diretor geral de Saúde da Estácio, explicou o convite, destacando livros e artigos, de modo especial esta coluna do Caderno B, repercutida, entre outros, no Jornal da Estácio, cuja tiragem é de 180 mil exemplares, distribuídos gratuitamente.
No dia anterior tinham falado Gilberto Mendes de Oliveira e Castro, da Academia Nacional de Medicina e reitor da Universidade Estácio de Sá, patrocinadora do evento, e Ivo Pitanguy, cirurgião plástico de todos conhecido e chefe do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia.
Sob a égide de Hésio Cordeiro, doutor em medicina preventiva pela USP e diretor da Faculdade Medicina da Estácio, o congresso trouxe temas que fascinaram as mais de seiscentas pessoas presentes. Cada médico fez ali outro tipo de intervenção, ponencia em espanhol, dita colocação em vários eventos, como se os conferencistas pudessem imitar o galináceo, que a faz melhor do que qualquer debatedor.
Todos nos ouviam em silêncio, como se estivéssemos em hospitais, onde calar é tão importante que há nos corredores a figura de uma mulher com o dedo indicador sobre a boca. Pede silêncio ou segredo?
A figura feminina foi inspirada em Tácita, a deusa romana do silêncio. Os romanos tinham verbos diferentes para expressar o silêncio: leges silent (as leis são mudas), mas homines tacent (os homens calam). As primeiras, como as crianças, os infantes (de infans, sem fala, raiz de infantia, infância), não falam porque não podem. Já os médicos, a pedido de familiares, calam diante do convalescente, disfarçando a gravidade de certas doenças, prática reprovada no congresso.
Convalescente está ligado ao verbo convalescere, recuperar as forças, radicado em valere, ter saúde, equilíbrio. A raiz, quem diria, está na gíria atual valeu, de valor positivo.
Enfermo é infirmus em latim, sem firmeza, sinônimo de imbecillis, fraco, que mudou de sentido no português, o que ocorreu também com idiota, do grego idiótes, indivíduo, ente privado. Disse um historiador: ''quando Portugal descobriu o Brasil, havia 2 mil médicos idiotas em todo o reino''. Referia-se aos médicos práticos, que exerciam a medicina sem fazer o curso.
Outras questões foram a caligrafia dos médicos nas receitas e o português das bulas, como de uma vitamina, assim explicada: ''o ácido ascórbico inativa os radicais livres, que podem destruir as membranas celulares através da peroxidação lipídica''. Quem entende o português das bulas?
Até os palavrões ocultam neuroses. Estamos em nossa língua todos os dias.
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