JB:
Anistia para os brasileiros
Deonísio da Silva
Escritor
Ao estrear, por volta dos 30 anos, Júlio César de Mello e Souza adotou o pseudônimo de Malba Tahan. Seu livro mais conhecido é O Homem que calculava. Assinando suas obras com um nome que não era o seu, lutava contra alguns consensos que há muito tempo vêm prejudicando nossa vida editorial.
Os autores nacionais ainda são muito ignorados no Brasil. As exceções ficam por conta de Jorge Amado, Erico Verissimo e poucos mais. Alguns juram de pés juntos, em mentiras delicadas, que leram autores que desconhecem. Paulo Coelho, já estão dizendo que o leram, depois que foi publicado em francês! De presença avassaladora em toda a mídia, lembra, pelo avesso, o que disse Jorge Luís Borges da ausência do camelo no Alcorão.
Quem lê naturalmente, não precisa ostentar ou disfarçar nada, nem justificar suas escolhas. Um mesmo autor pode ser medíocre ou genial, como é o caso, respectivamente, de Eça de Queiroz de A tragédia da Rua das Flores e de Os Maias. Parecem dois autores antípodas.
O autor de O homem que calculava, para nos ensinar matemática de modo mais agradável, curioso e eficiente, precisou inventar histórias. E para escrevê-las, recorreu ao legado maravilhoso de lendas cristãs, de fábulas e dos folclores árabe, egípcio e israelita.
Em livro recentemente lançado (Contos e lendas orientais, da Ediouro), as narrativas são quase todas antológicas. Numa delas, um ladrão, surpreendido em pleno roubo, rasga a roupa, suja o rosto de terra e, semelhando um faquir, começa a rezar sob uma árvore. Perseguindo o intruso, os empregados dizem ao proprietário que a busca foi vã: ''Só encontramos um santo''. Comovido, o dono leva doces e frutas ao falso anacoreta.
Pouco depois, sua fama de santidade ganha o reino inteiro. Levado à presença do príncipe do lugar, este lhe pede um milagre! O ''santo ladrão'' pede e recebe proteção eterna do poderoso, haja o que houver no relato, prometendo, não um, mas dois milagres. O primeiro: transformou-se de ladrão em santo com poucos recursos. O segundo: ao contar a verdade, voltou a ser ladrão.
Malba Tahan escolheu o pseudônimo de Ali Iezid Izz-Edin Ibn Salim Hank Malba Tahan, que ''nasceu perto da cidade de Meca e morreu no deserto lutando por sua tribo''. Era o ano de 1925. Mas sabia que um nome assim longo jamais pegaria. E adotou apenas as duas últimas referências: Malba Tahan. Sabia também que se se apresentasse com o nome verdadeiro, provavelmente não seria valorizado. Nós amamos os estrangeiros e detestamos os brasileiros. Para constatar esta verdade fatal de nossa vida literária, basta visitar uma livraria BRASILEIRA. Na maioria delas, os autores nacionais estão escondidos - os poucos que ali chegaram - nas prateleiras lá do fundo, de um jeito que os oculta, tornando-os clandestinos. Parece que se homiziaram ali, fugindo de alguma perseguição.
Vou sugerir a Galeno Amorim, coordenador do Fome do Livro, do Ministério da Cultura, empenhado em sérios trabalhos em favor de autores e livros desde que o ministro Antônio Palocci, então prefeito de Ribeirão Preto, revelou-o como um de seus auxiliares mais qualificados, que proponha às livrarias a anistia do autor nacional. Todos foram anistiados, mas nós, os escritores brasileiros, não! Até meados da década de 1980, ainda estávamos em NOSSAS livrarias, mas depois fomos banidos! Já está mais do que na hora de voltarmos ao nosso lugar!
Deonísio da Silva escreve às terças-feiras no JB
Anistia para os brasileiros
Deonísio da Silva
Escritor
Ao estrear, por volta dos 30 anos, Júlio César de Mello e Souza adotou o pseudônimo de Malba Tahan. Seu livro mais conhecido é O Homem que calculava. Assinando suas obras com um nome que não era o seu, lutava contra alguns consensos que há muito tempo vêm prejudicando nossa vida editorial.
Os autores nacionais ainda são muito ignorados no Brasil. As exceções ficam por conta de Jorge Amado, Erico Verissimo e poucos mais. Alguns juram de pés juntos, em mentiras delicadas, que leram autores que desconhecem. Paulo Coelho, já estão dizendo que o leram, depois que foi publicado em francês! De presença avassaladora em toda a mídia, lembra, pelo avesso, o que disse Jorge Luís Borges da ausência do camelo no Alcorão.
Quem lê naturalmente, não precisa ostentar ou disfarçar nada, nem justificar suas escolhas. Um mesmo autor pode ser medíocre ou genial, como é o caso, respectivamente, de Eça de Queiroz de A tragédia da Rua das Flores e de Os Maias. Parecem dois autores antípodas.
O autor de O homem que calculava, para nos ensinar matemática de modo mais agradável, curioso e eficiente, precisou inventar histórias. E para escrevê-las, recorreu ao legado maravilhoso de lendas cristãs, de fábulas e dos folclores árabe, egípcio e israelita.
Em livro recentemente lançado (Contos e lendas orientais, da Ediouro), as narrativas são quase todas antológicas. Numa delas, um ladrão, surpreendido em pleno roubo, rasga a roupa, suja o rosto de terra e, semelhando um faquir, começa a rezar sob uma árvore. Perseguindo o intruso, os empregados dizem ao proprietário que a busca foi vã: ''Só encontramos um santo''. Comovido, o dono leva doces e frutas ao falso anacoreta.
Pouco depois, sua fama de santidade ganha o reino inteiro. Levado à presença do príncipe do lugar, este lhe pede um milagre! O ''santo ladrão'' pede e recebe proteção eterna do poderoso, haja o que houver no relato, prometendo, não um, mas dois milagres. O primeiro: transformou-se de ladrão em santo com poucos recursos. O segundo: ao contar a verdade, voltou a ser ladrão.
Malba Tahan escolheu o pseudônimo de Ali Iezid Izz-Edin Ibn Salim Hank Malba Tahan, que ''nasceu perto da cidade de Meca e morreu no deserto lutando por sua tribo''. Era o ano de 1925. Mas sabia que um nome assim longo jamais pegaria. E adotou apenas as duas últimas referências: Malba Tahan. Sabia também que se se apresentasse com o nome verdadeiro, provavelmente não seria valorizado. Nós amamos os estrangeiros e detestamos os brasileiros. Para constatar esta verdade fatal de nossa vida literária, basta visitar uma livraria BRASILEIRA. Na maioria delas, os autores nacionais estão escondidos - os poucos que ali chegaram - nas prateleiras lá do fundo, de um jeito que os oculta, tornando-os clandestinos. Parece que se homiziaram ali, fugindo de alguma perseguição.
Vou sugerir a Galeno Amorim, coordenador do Fome do Livro, do Ministério da Cultura, empenhado em sérios trabalhos em favor de autores e livros desde que o ministro Antônio Palocci, então prefeito de Ribeirão Preto, revelou-o como um de seus auxiliares mais qualificados, que proponha às livrarias a anistia do autor nacional. Todos foram anistiados, mas nós, os escritores brasileiros, não! Até meados da década de 1980, ainda estávamos em NOSSAS livrarias, mas depois fomos banidos! Já está mais do que na hora de voltarmos ao nosso lugar!
Deonísio da Silva escreve às terças-feiras no JB
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