FÁBIO TAKAHASHI
da Folha de S.Paulo
Prestes a ser implantada na rede estadual de ensino de São Paulo, a política de premiar em dinheiro professores e funcionários de escolas que atingirem metas de qualidade foi alvo de polêmica no debate promovido pela Folha na segunda-feira (10).
Segundo a secretária da Educação do governo Serra (PSDB), Maria Helena Guimarães de Castro, a intenção é valorizar os que mais se dedicam.
Professor do Ibmec-SP, Eduardo Andrade concordou com o princípio, mas disse que o governo também deveria aplicar punições. Ele usa como base a experiência dos EUA, onde fez doutorado (Universidade de Chicago).
O presidente da Apeoesp (sindicato dos professores), Carlos Ramiro de Castro, e o docente da USP José Marcelino de Rezende Pinto (ex-diretor do instituto de pesquisas do MEC) criticaram o bônus. Leia o resumo do debate, mediado pelo colunista da Folha Gilberto Dimenstein.
*O BÔNUS *
MARIA HELENA GUIMARÃES DE CASTRO (secretária estadual da Educação) - Vamos valorizar os bons profissionais, que são a maioria. Hoje, não há como premiar o bom professor e a boa escola. O bônus, existente desde 2000, contabiliza basicamente a assiduidade dos professores.
Vamos ampliá-lo, contando também o desempenho dos alunos no Saresp, a taxa de reprovação, evasão e a fixação dos professores na escola.
Quanto mais ela se esforçar, mais a equipe será beneficiada, com incentivos concretos. Nossa política tem por princípio o direito de o aluno aprender.
Mas não vamos comparar uma escola com outra. Avaliaremos a escola a partir do seu ponto de partida, pois não queremos colocar um professor em disputa com o outro. A nossa ênfase é no trabalho coletivo.
CARLOS RAMIRO DE CASTRO (presidente da Apeoesp, sindicato dos professores) - A política de bônus, de "meritocracia", não vai dar certo, como não deram outras ações semelhantes. O prêmio será pago a poucos profissionais. O restante ficará apenas com o seu mísero salário.
Não somos contra a avaliação. Mas precisa haver critérios transparentes, cujos resultados sirvam para evolução na carreira, na perspectiva de um salário melhor, e não para receber um prêmio, que será para poucos.
EDUARDO ANDRADE (pesquisador do Ibmec-SP) - A proposta da secretaria parte de princípios muito interessantes. O primeiro é a necessidade de uma gestão mais profissional nas escolas, com metas definidas e um sistema de incentivo adequado. A idéia fundamental é responsabilizar diretores e professores pela qualidade de ensino.
Outra questão positiva é a ênfase no bom professor, que é capaz de reverter até as dificuldades socioeconômicas dos estudantes. Os bons educadores têm de ser estimulados. Por isso, [o bônus] não pode ser pago para todo mundo, porque nem todo mundo é bom professor.
A política de São Paulo está no caminho certo, mas faltam coisas para que efetivamente o resultado seja bem-sucedido. Uma delas é que o projeto só envolve bonificação e não há punições.
JOSÉ MARCELINO DE REZENDE PINTO (pesquisador da USP de Ribeirão Preto) - Sou contrário à política de bônus. Um dos problemas é que a medida traz um pressuposto implícito de que o professor não ensina porque não quer. Isso não é verdade.
O professor tem muita dificuldade para ensinar, foi formado em uma lógica de que o bom professor é aquele que reprova e que, se o aluno não aprende, é culpa dele. Assim, se o docente não sabe ensinar, não adianta triplicar o salário.
Uma das coisas que de fato deveriam ser analisadas é a alta rotatividade dos professores. Como vou fazer uma política focada na escola se eu não sei qual profissional estará lá?
SALÁRIOS
MARIA HELENA - A bonificação por mérito não substitui o salário, só o completa. O salário e a carreira são fundamentais. Por isso, analisaremos uma reestruturação da carreira.
Mas o reajuste salarial não é definido pelo secretário de Educação, e sim pela Gestão, Fazenda e Planejamento. A reivindicação salarial é justa, mas é um tema que envolve lei de responsabilidade fiscal, disponibilidade [de recursos].
Agora, eu não acho que a isonomia [igualdade] salarial, sozinha, vai resolver qualquer problema do Estado brasileiro.
Precisamos de uma política que seja capaz de distinguir aqueles que são mais dedicados.
RAMIRO - Quando você assume um compromisso, você assume com base no seu salário e não na expectativa de ganhar uma possível bonificação. Se o salário é insuficiente, o professor dobra a jornada de trabalho. Aí, adoece, falta às aulas.
O que de fato vai melhorar a qualidade de ensino é o reajuste e um bom plano de carreira.
E não bonificações. No Estado mais rico do país, estamos há três anos sem reajuste.
MARCELINO - Para atrair bons profissionais, precisa pagar bem. Uma escola de qualidade tem um custo, que não é pouco.
Costuma-se dizer que o Brasil gasta cerca de 4% do PIB [em educação], que não é muito diferente dos 5% nos EUA. Mas os PIBs são muito diferentes.
Os 5% nos EUA representam US$ 7 mil [cerca de R$ 12 mil] por ano [por aluno]. No Brasil, são R$ 1.000. Qualquer estudante de escola particular média no país recebe um investimento três vezes maior que a pública. Fica evidente que dinheiro e salário [dos professores] fazem diferença, senão a classe média seria burra por gastar tanto com mensalidades.
ANDRADE - Concordo que para atrair profissionais de melhor qualidade é fundamental aumentar o salário. Mas se o professor se mostrar de baixa qualidade para a função, ele precisa ser retirado do processo. Pagar melhores salários para todos é injusto com os bons.
PENAS E COMPETIÇÃO
ANDRADE - O projeto da secretaria envolve apenas bonificação -e não punição. A experiência americana, de onde a secretaria se inspirou, mostra que os Estados que não adotaram um sistema de punição não obtiveram êxito. Eles tiveram desempenhos semelhantes aos Estados que apenas implementaram um sistema de metas e de avaliação -semelhante ao Saresp-, mas sem incentivos.
Só os que definiram punições tiveram resultados objetivos. E o que são as punições?
Aquele que não atinge as metas, primeiro, tem de se explicar. E se não conseguir melhorar a qualidade de ensino, a escola pode ser fechada, e os estudantes têm o direito de escolher um outro colégio, que pode ser público ou privado. Esse é o efetivo direito de o aluno receber uma educação de qualidade. Outra falha do projeto de São Paulo é premiar toda a equipe da escola. Ou seja, aqueles que realizaram um trabalho muito bom vão ganhar o mesmo que aqueles que não se empenharam tanto. A proposta não separa o joio do trigo.
MARCELINO - A escola é um trabalho coletivo. É como um time de futebol, não adianta só colocar 11 craques em campo.
RAMIRO - Fechar escolas? É o que tem sido feito até hoje. Já reduzimos o que podíamos.
MARIA HELENA - Sobre o fechamento das escolas, não acho positivo. A nossa proposta é dar um apoio maior àquelas que tiverem resultados piores no Saresp. Mandaremos, por exemplo, uma equipe para verificar o plano pedagógico.
Nem todas as escolas particulares são boas. Na escola pública, também há unidades muito boas, outras nem tanto. É com essa diversidade que vamos conviver. Mas, claro, precisamos buscar qualidade para todas as escolas.
Tenho discordâncias também quanto a colocar uma competição dentro da escola. Prefiro valorizar o trabalho de todo conjunto. Se a equipe não estiver integrada no projeto pedagógico, fica difícil melhorar.
NEGOCIAÇÃO
MARCELINO - Para melhorar a educação, precisamos de um pacto. A progressão continuada, por exemplo, foi imposta de cima para baixo. Propostas que até são boas, se não contarem com o envolvimento dos profissionais que irão aplicá-la, têm grandes chances de falharem.
É o caso do bônus. Ela não pode ser apresentada apenas como uma proposta a ser implementada. Até porque ela ainda vai ter de passar pela Assembléia Legislativa.
ANDRADE - As políticas educacionais no Brasil são de governo e não de Estado [ou seja, não têm continuidade]. Entra um governo, até do mesmo partido, como é o caso do PSDB em São Paulo, e as mudanças são gritantes. A política do governo Alckmin, por exemplo, era fortemente contrária à colocação de metas para as escolas. Agora, entra um novo governo, que implanta tal medida.
O mesmo ocorreu com o PT. A cada troca de ministro no governo federal, houve mudanças significativas nas políticas.
A sociedade começa a desacreditar nos governos. As pessoas não se engajam, porque sabem que daqui a dois, três anos tudo vai mudar de novo. É um risco que a política de bonificação em São Paulo corre.
MARIA HELENA - Concordo que a política de educação tem de ser de Estado, permanente. Mas a proposta que trouxemos para São Paulo está ancorada em uma estratégia de longo prazo, articulada às políticas que estão sendo implementadas nacionalmente, como o Plano de Desenvolvimento da Educação [o chamado PAC da Educação], do governo federal, e com o Todos pela Educação, da sociedade civil. Por isso, acredito que independentemente das trocas de governo, ficará mais fácil uma "pactuação" pela educação.
Extraído de
FolhaOnLine
12 de março de 2.008
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