A educadora Sílvia Colello lança livro com dados sobre falhas das escolas públicas brasileiras
MARIA REHDER, maria.rehder@grupoestado.com.br
A educadora Sílvia Colello, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização e Letramento (Geal) da Faculdade de Educação da USP, lança na próxima quinta-feira em São Paulo o livro A Escola que (NÃO) Ensina a Escrever, uma compilação de estudos realizados pela autora com alunos de escolas públicas e privadas de Ensino Fundamental no Brasil.
Em entrevista exclusiva ao JT, Sílvia dá detalhes das falhas pedagógicas das escolas e seus efeitos sobre a escrita infantil, entre políticas públicas que levam o Brasil a ter péssimos desempenho nas avaliações nacionais e internacionais da qualidade da Educação.
JT: O governador José Serra anunciou recentemente a necessidade de inserir um modelo 'memorex ' nas escolas públicas. Esse seria um bom caminho para que as escolas públicas consigam ensinar seus alunos a ler e a escrever?
Sílvia: Eu acho isso um horror, pois, na prática, a tabuada, considerada memorex, é o fim de um processo e não um começo. A minha área não é matemática, mas cito um caso avaliado em minhas pesquisas. Um professor de 4ª série disse ter dificuldades em ensinar o corpo humano porque metade da sala não sabia ler e escrever. No entanto, o que os professores têm de entender é que o ensino da língua escrita não é para ser dado apenas nas séries iniciais, mas por todos os professores, até os de 8ª série.
Mas qual foi a sua reação ao presenciar o posicionamento desse professor?
No caso daquele professor pude presenciar o caso de um aluno que não sabia ler e escrever, mas foi se interessando pelo assunto corpo humano porque era asmático. Por ter dificuldades em respirar ele queria entender o corpo humano e até criou um pulmão artificial com canudos e garrafas PET, enquanto o professor dele insistia que ele perdesse tempo copiando o 'BA, BE, BI, BO, BU '. Neste caso eu disse ao aluno que tínhamos gostado tanto de seu trabalho que íamos o expor na escola e para isso ele teria de colocar o nome dos órgãos do corpo humano. Ele me respondeu que não sabia escrever, mas disse a ele que poderíamos tentar juntos. Em menos de 15 dias esse menino se alfabetizou, porque foi desafiado e o mais incrível é que as primeiras palavras que ele escreveu foram traquéia, pulmão, esôfago.
E o programa Ler e Escrever - lançado no Município de São Paulo em 2005 e que agora será aplicado nas escolas estaduais - segue os caminhos que você propõe em seu livro para que as escolas alfabetizem os alunos de fato?
Acho a proposta deste programa muito positiva, mas também é preciso melhorar as condições de trabalho do professor, o que inclui a necessidade de ele ter uma formação inicial e continuada, garantir a possibilidade de ter com quem discutir sua prática pedagógica. Há professores da rede que até têm o horário para troca de experiências, mas por este não ser planejado, há muitos que atuam nas mesmas séries e não se encontram para discutir suas práticas.
Então, o que a escola pública tem de ter para ensinar a ler e a escrever?
O que eu cheguei a conclusão é que muitas vezes o professor ouviu dizer que é bacana trabalhar em duplas ou de outra maneira, mas ele não tem clareza do porquê. Ainda há uma grande dificuldade para a produção teórica em Educação chegar na mão dos professores que atuam nas salas de aula das escolas públicas. Os cursos de formação acreditam que se você ensinar ao professor as teorias já é o suficiente, mas é preciso apoiar a prática pedagógica e garantir que os problemas surgidos na prática conduzam as novas produções teóricas. Também é preciso mudar as políticas públicas para que os professores consigam ter boas condições de trabalho.
FALHAS PEDAGÓGICAS DAS ESCOLAS APONTADAS NO LIVRO
LIÇÃO INEFICIENTE
É como Sílvia Colello denomina atividades como o ato de pedir para o aluno recortar em uma revista palavras que comecem com a letra A. Em seu estudo, Sílvia encontrou crianças que recortaram 'A monarquia' ou 'Airbus', o que mostra que apenas visualizaram a letra A sem entender o que ali estava escrito
ESCRITA ARTIFICIAL
Atividades como o ato de pedir para o aluno formar as sílabas 'BA, BE, BI, BO, BU'. Então, a criança decora que para completar a família do B é só colocar tal letra na frente das vogais e faz o exercício de forma mecânica sem entender o que está escrevendo
TAREFA MECÂNICA
Exercícios como os de completar com M e N os espaços em branco em determinadas palavras com o intuito de ensinar o uso do M antes das letras P e B. Sílvia constatou que, neste exercício, os alunos apenas decoravam os casos que deveriam colocar a letra M, como na palavra tumba a qual os alunos não sabiam o significado
ESCRITA SEM CONTEXTO
Ao ensinar o sistema solar, uma professora pediu para que seus alunos escrevessem palavras com alguma letra do Planeta Saturno. Sílvia afirma que neste caso, o aluno não aprofundou o assunto da aula, mas apenas decorou as letras
AUSÊNCIA DE SIGNIFICADO
Um desenho de um personagem foi feito ao lado de letras pontilhadas para os alunos cobrirem . O exercício, em vez de estimular a criatividade das crianças sobre o personagem, apenas o trouxe como enfeite
REPETITIVA
Pedir para o aluno escrever o nome várias vezes no caderno apenas para treinar escrita
Extraído de
Jornal da Tarde
16 de abril de 2.007
Em entrevista exclusiva ao JT, Sílvia dá detalhes das falhas pedagógicas das escolas e seus efeitos sobre a escrita infantil, entre políticas públicas que levam o Brasil a ter péssimos desempenho nas avaliações nacionais e internacionais da qualidade da Educação.
JT: O governador José Serra anunciou recentemente a necessidade de inserir um modelo 'memorex ' nas escolas públicas. Esse seria um bom caminho para que as escolas públicas consigam ensinar seus alunos a ler e a escrever?
Sílvia: Eu acho isso um horror, pois, na prática, a tabuada, considerada memorex, é o fim de um processo e não um começo. A minha área não é matemática, mas cito um caso avaliado em minhas pesquisas. Um professor de 4ª série disse ter dificuldades em ensinar o corpo humano porque metade da sala não sabia ler e escrever. No entanto, o que os professores têm de entender é que o ensino da língua escrita não é para ser dado apenas nas séries iniciais, mas por todos os professores, até os de 8ª série.
Mas qual foi a sua reação ao presenciar o posicionamento desse professor?
No caso daquele professor pude presenciar o caso de um aluno que não sabia ler e escrever, mas foi se interessando pelo assunto corpo humano porque era asmático. Por ter dificuldades em respirar ele queria entender o corpo humano e até criou um pulmão artificial com canudos e garrafas PET, enquanto o professor dele insistia que ele perdesse tempo copiando o 'BA, BE, BI, BO, BU '. Neste caso eu disse ao aluno que tínhamos gostado tanto de seu trabalho que íamos o expor na escola e para isso ele teria de colocar o nome dos órgãos do corpo humano. Ele me respondeu que não sabia escrever, mas disse a ele que poderíamos tentar juntos. Em menos de 15 dias esse menino se alfabetizou, porque foi desafiado e o mais incrível é que as primeiras palavras que ele escreveu foram traquéia, pulmão, esôfago.
E o programa Ler e Escrever - lançado no Município de São Paulo em 2005 e que agora será aplicado nas escolas estaduais - segue os caminhos que você propõe em seu livro para que as escolas alfabetizem os alunos de fato?
Acho a proposta deste programa muito positiva, mas também é preciso melhorar as condições de trabalho do professor, o que inclui a necessidade de ele ter uma formação inicial e continuada, garantir a possibilidade de ter com quem discutir sua prática pedagógica. Há professores da rede que até têm o horário para troca de experiências, mas por este não ser planejado, há muitos que atuam nas mesmas séries e não se encontram para discutir suas práticas.
Então, o que a escola pública tem de ter para ensinar a ler e a escrever?
O que eu cheguei a conclusão é que muitas vezes o professor ouviu dizer que é bacana trabalhar em duplas ou de outra maneira, mas ele não tem clareza do porquê. Ainda há uma grande dificuldade para a produção teórica em Educação chegar na mão dos professores que atuam nas salas de aula das escolas públicas. Os cursos de formação acreditam que se você ensinar ao professor as teorias já é o suficiente, mas é preciso apoiar a prática pedagógica e garantir que os problemas surgidos na prática conduzam as novas produções teóricas. Também é preciso mudar as políticas públicas para que os professores consigam ter boas condições de trabalho.
FALHAS PEDAGÓGICAS DAS ESCOLAS APONTADAS NO LIVRO
LIÇÃO INEFICIENTE
É como Sílvia Colello denomina atividades como o ato de pedir para o aluno recortar em uma revista palavras que comecem com a letra A. Em seu estudo, Sílvia encontrou crianças que recortaram 'A monarquia' ou 'Airbus', o que mostra que apenas visualizaram a letra A sem entender o que ali estava escrito
ESCRITA ARTIFICIAL
Atividades como o ato de pedir para o aluno formar as sílabas 'BA, BE, BI, BO, BU'. Então, a criança decora que para completar a família do B é só colocar tal letra na frente das vogais e faz o exercício de forma mecânica sem entender o que está escrevendo
TAREFA MECÂNICA
Exercícios como os de completar com M e N os espaços em branco em determinadas palavras com o intuito de ensinar o uso do M antes das letras P e B. Sílvia constatou que, neste exercício, os alunos apenas decoravam os casos que deveriam colocar a letra M, como na palavra tumba a qual os alunos não sabiam o significado
ESCRITA SEM CONTEXTO
Ao ensinar o sistema solar, uma professora pediu para que seus alunos escrevessem palavras com alguma letra do Planeta Saturno. Sílvia afirma que neste caso, o aluno não aprofundou o assunto da aula, mas apenas decorou as letras
AUSÊNCIA DE SIGNIFICADO
Um desenho de um personagem foi feito ao lado de letras pontilhadas para os alunos cobrirem . O exercício, em vez de estimular a criatividade das crianças sobre o personagem, apenas o trouxe como enfeite
REPETITIVA
Pedir para o aluno escrever o nome várias vezes no caderno apenas para treinar escrita
Extraído de
Jornal da Tarde
16 de abril de 2.007
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